Nuno David dedica-se a partilhar a sua paixão pelo desenho e pela pintura no Centro Comunitário da União das Freguesias de Setúbal, onde ensina gratuitamente. Hoje com 75 anos, este homem de traço firme e olhar da cor do céu, tem uma história de vida rica e multifacetada, que passa por diferentes continentes, desafios e lutas que o moldaram como pessoa.
Nasceu em Angola, terra que lhe deixou marcas profundas. Ainda jovem, foi chamado para combater na guerra, uma experiência que descreve como dura e, ao mesmo tempo, surreal. “Era estranho lutar contra colegas de carteira,” relembra, referindo-se ao confronto entre pessoas que considerava como irmãos.
Após a guerra, Nuno estudou economia durante três anos, ideia que abandonou para seguir a sua paixão pelo campo e pela agricultura. Formou-se em agronomia, abraçando as suas raízes barrosãs e a ligação à natureza.
A sua jornada levou-o à África do Sul e ao Brasil, conservando sempre o vínculo com o estado, na continuidade do trabalho como professor na escola agrícola. Foi em 1976 que desembarcou em Portugal, vindo viver para Setúbal, influenciado pelos sogros que se apaixonaram pela semelhança entre a Baía de Luanda e a paisagem setubalense.
E assim encontrou o seu lugar.
Bateu à porta do então Serviço Nacional de Parques e Reservas, tendo começado logo a trabalhar no Parque Natural da Arrábida. “Foi uma sorte incrível,” conta. Durante três décadas, dedicou-se à conservação da natureza, enfrentando desafios como a pressão para construções que poderiam ter comprometido o património natural da região. Graças ao trabalho de equipas empenhadas, a Arrábida é hoje uma referência em turismo sustentável e biodiversidade.
Paralelamente, Nuno manteve viva a sua paixão pela pintura, iniciada ainda na infância. “Lembro-me dos meus primeiros desenhos, com oito ou nove anos. Tenho pena de não os ter comigo,” diz. A influência de um professor incentivou-o a explorar o seu talento, mas a falta de oportunidades em Belas-Artes em África levou-o a seguir outro rumo académico.
Ao longo da vida, nunca deixou de pintar, acumulando uma vasta obra com cerca de 800 trabalhos, que hoje tenta catalogar. “A memória visual das coisas é algo que sempre me fascinou,” afirma. Este amor pela arte levou-o, em 2007, a aposentar-se do serviço público e dedicar-se mais intensamente à pintura, leitura e escrita.
Foi nesta fase que Nuno encontrou no Centro Comunitário da União das Freguesias de Setúbal uma nova forma de contribuir. Ao oferecer aulas de desenho e pintura, ajuda outras pessoas a descobrirem o prazer de criar. “Aqui, vejo gente a quem nunca passou pela cabeça desenhar ou pintar a descobrirem talentos que nem imaginavam ter” comenta.
O que motiva Nuno é partilhar o que sabe, mas também aprender com os outros. “É gratificante ver como a arte transforma as pessoas.” Ele acredita que, mesmo em algo aparentemente simples como um traço num papel, há potencial para transformar vidas.
Nuno David é um testemunho vivo de que o espírito não tem idade. Em Setúbal, cidade que adotou como sua, continua a inspirar muitos jovens e a participar em praticamente tudo para o que é convidado. “Esta é a minha terra de coração,” afirma, com o mesmo entusiasmo de quem sempre soube ver beleza no mundo à sua volta.
