A imprensa periódica constitui uma fonte inesgotável da memória escrita para todos aqueles que se interessam por (re)fazer história.
Ao nível local e regional os jornais são quantas vezes, dos poucos elementos que se possuem para reconstituir aspectos da vida social, política e até económica.
Um jornal apesar de ser um sujeito que pretende influenciar a história, reflecte sempre, mesmo de modo contraditório, as preocupações de determinados grupos sociais, forças económicas, religiosas ou outras. Esta asserção é particularmente válida quando nos reportamos à imprensa do princípio do século, dado que era o lugar privilegiado da luta ideológica e política - ponto de intersecção entre a história e as mentalidades.
Setúbal conheceu desde 1855, data em que aparece o seu primeiro jornal e até finais dos anos 20 várias dezenas de publicações periódicas. De todos os jornais que conhecemos, o "Germinal" terá sido, certamente, o que mais abalou os brandos costumes desta cidade operária na primeira década deste século. Profundamente ligado aos sectores mais radicalizados do operariado setubalense e ideologicamente inspirado nas opiniões anarquistas, vai ter uma vida difícil e arquiatribulada.
A perseguição policial movida pela realeza e depois pelos republicanos, as lutas internas, a suspensão da publicação e prisão dos seus mais destacados colaboradores, vão povoar o quotidiano deste semanário setubalense.
Numa conjuntura social e política caracterizada pelo reforço dos partidos republicanos, e pelo apagamento e declínio dos partidos socialistas, o "Germinal" é a expressão ideológica do protesto social pela "independência e a autonomia de classe face ao poder burguês" para utilizar as suas próprias expressões.
Encarnando o espírito polémico dos libertários move uma peleja infatigável contra a falta de liberdades políticas e sindicais, contra a tradição e contra alguns dos dogmas mais enraizados no tecido social.
Sendo um jornal setubalense ultrapassou as fronteiras do paroquialismo, afirmando-se desde a primeira hora como internacionalista;
Numa sociedade profundamente patriarcal, ousou afirmar-se feminista na defesa reiterada dos direitos das mulheres;
Numa sociedade em que mais de 90% da população era católica, ergueu as bandeiras do anticlericalismo, responsabilizando a Igreja e a religião pela situação de opressão vivida pelo povo.
Conspirou ruidosamente contra todos os silêncios construídos em volta de uma organização social que considerava imoral e injusta.
Apaixonado pela liberdade, valor que considerava sagrado e indiscutível, o Germinal constitui uma experiência única escapando ao policiamento da moral estabelecida e ao conformismo perante os poderes vigentes.
Professor Doutor Albérico Afonso Costa